quarta-feira, 14 de maio de 2014

A CULPA. Selvino Antonio Malfatti




A culpa está no próprio ser. Embora não se tenha causado algum desagrado a alguém, mesmo assim persiste a culpa, A culpa, a cima de tudo, não é uma razão, mas um sentimento. É algo do qual se quer livrar-se. Apesar de alguém ter certeza de que pode ser feliz, não o é porque subsiste o sentimento de culpa. Junto com a culpa vem o remorso que mata, por dentro, a esperança de felicidade. Por mais que se queira explicar a si mesmo que não há motivo de culpa, ela reaparece enchendo a alma. É como Caim que vaga pelas florestas, tomado de remorso pela morte do irmão Abel. Neste caso há uma causa, o assassinato do irmão. E quando sem causa se sente a culpa? Desde que o homem teve consciência de si, sentiu-se culpado. Se a causa de todas as culpas é a primeira culpa da qual não sou culpado porque então sou culpado?   
Por que um pagão como Anaximandro diria que não há culpa maior do que o de ter nascido? Por que Platão diria que a culpa é por não conhecer a verdade? O cristianismo solucionou com o mistério ou mito do pecado original. Assim se pode desfilar os grandes pensadores da humanidade como Rousseau que encontrou na sociedade seu bode expiatório. Se não fosse a sociedade o homem poderia ir ao encontro de seus desejos, satisfazer suas paixões, entregar-se à felicidade da vida, sem culpa. O indivíduo é bom, não tem culpa. A sociedade é má, a culpada.
Nietzsche, na mesma linha, vê na sociedade não só estratégias de controle, mas formas de poder. Há os que querem demonstrar que o mundo não é como deveria ser. Eles dizem aos homens o que devem fazer, como se portar, até mesmo ordenando-lhe agir contra a sua natureza. O próprio Deus seria um desses pretensos idealizadores de felicidade. Mas todos estão mortos: monarcas, nobres, inclusive Deus. Mas algo sobreviveu: o sentimento de culpa, conforme ele.
Já Freud tira Deus do céu e o acomoda no coração do homem. Nele faz o papel de juiz, o Superego. Este impõe ao homem um código moral que inevitavelmente é transgredido, engendrando o sentimento de culpa.
E nos filósofos da existência, como vêem a culpa. Para Jaspers é uma situação limite, dela o homem não pode furtar-se. Heidegger vê na culpa um modo de ser do ser-aí, uma atribuição substancial do ser humano. Em última análise, em ambos a culpa é um trajeto inexorável. Tudo o que o homem fizer, ele pode ter certeza que será culpado. Se fizer o bem, ou se fizer o mal, ou mesmo se não fizer nada, sentir-se-á culpado. A culpa é a condição humana. E o pior dos paradoxos da culpa: quanto menos culpado se é, mais culpa se sente. Um santo se sente mais culpado que um assassino psicopata.
Entretanto, a culpa existencial é uma falsa culpa, ou culpa contraditória. Se é culpado porque se é um ser-aí. E este ser-aí é um fundamento do nada. Isto significa que ninguém o colocou aí. Não foi o indivíduo o autor deste ser-aí, nem outro. Logo, ele é um ser aí produto do nada. Como o nada dá origem a nada, logo ele, homem, não está aí. E sendo assim não tem culpa de nada porque não é nada. Por isso o ser-aí não pode ser causa de culpa e nem mesmo ser-aí.
Ou o homem é um ser-aí por si ou por outro. Evidentemente ele não é por si, porque se fosse não teria se feito apenas um ser-aí. Logo, ele é por outro, quer pela matéria, quer pela espiritualidade ou outra entidade superior a ele. Mas o porquê de sentir-se culpado é de poder se arrepender. Mas arrepender-se de quê? De ter aceito ou continuar aceitando ser apenas uma existência. Qualquer outro ser do universo pode não arrepender-se, menos o homem. Os demais seres não sabem que estão-aí. Somente o homem tem esta consciência. Enquanto o homem continuar aceitando esta condição de existência viverá se arrependendo e por isso se sente culpado. Se o homem pudesse se livrar do arrependimento deixaria de sentir-se culpado. Mas para desvencilhar-se do arrependimento da existência a única saída é livrar-se da existência. Mas com certeza é preferível viver e sentir-se culpado do que suicidar-se e livrar-se da culpa. Ele se arrepende de querer viver e por isso se sente culpado perante Deus, perante seus semelhantes e perante o universo. Se o homem como existência fosse imortal nunca se sentiria culpado. O arrependimento da existência o faz culpado disso. Ou exista e se arrependa e sinta-se culpado ou abandone a existência e livre-se do arrependimento e da culpa.

6 comentários:

  1. A culpa sempre nos diminui tornando-nos incapazes de caminhar para nossa realização. Não somos perfeitos,tentamos aparar nossas arestas,somos aprendizes neste mundo,e a vivência pode ser uma experiência inesquecível de momentos bons,outros nem tanto.
    Mas o importante é termos a capacidade de acreditar na nossa boa e eterna vontade de acertar,sem culpa. Amor sincero não gera culpa,apenas é amor sem desculpas e sem culpa.

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  2. No geral nos apegamos as culpas e perdemos de viver a felicidade.
    Vitória Silva.

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  3. Bom demais,culpas nos tornam infelizes,apáticos. Devemos nos livrar destas malas.
    Nariê

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  4. Mas que dor carregar culpas,deixamos a felicidade e as coisas boas da vida.
    Dilce Matias

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  5. Muito bom. Trabalhar contra a culpa isto é importante,saber analisar e mudar.

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  6. Questão é trabalhar contra a culpa e ser responsável.

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