sexta-feira, 26 de setembro de 2014

OS CINCO CAMINHOS PARA MUDAR DE VIDA. Pe. Vitor Hugo.





“Queres que eu te indique os cinco caminhos para mudar de vida? São muitos, é verdade, variados e diferentes, mas todos levam para a VIDA NOVA. Primeiro, reprova tuas atitudes imorais; segundo, perdoa quem te ofendeu, dominando tua cólera e rancor; terceiro, reza com ardor e constância; quarto, pratica a caridade; quinto, exercita a humildade. Não sejas preguiçoso, mas anda cada dia por estes caminhos. Assim, aprenderás a curar tuas chagas e, recuperada tua saúde, correrás com maior disposição no encalço desta VIDA NOVA que tanto desejas” (João Crisóstomo, escrito em 317 D.C.  De diabolo tentatore 2,6; pg 49).

Esta é uma parte do texto que os padres rezaram na terça feira da 21ª semana do tempo comum, dia 26 de agosto passado no Ofício das Leituras. Quem dera, nós mesmos, padres e consagrados, andássemos com mais empenho nesta trilha pouco percorrida. Mas não é este o motivo que me leva a meditar e escrever. Perambulando pelas comunidades terapêuticas nos pagos gelados do Rio Grande, para minha tristeza e preocupação, me deparo frequentemente com instituições e pessoas que, cada vez mais, acreditam que parando de usar drogas já está bom, esta é a meta. Esta parece ser a posição das autoridades sanitárias do governo, com suas internações clínicas por vinte e um dias para a desintoxicação. Esta parece ser também a mentalidade dos redutores de danos e dos centros de atenção psico social, com sua tolerância ao mesclar o uso de drogas com o uso simultâneo de medicações controladas. A isso se dá o nome de risco de morte não premeditado, pois as ciências médica advertem para as graves consequências da mistura destas duas drogas, as ilícitas e as fármaco. Esta também tem sido a fala de terapeutas (monitores) nas comunidades terapêuticas, limitando suas lutas e tarefas ao resultado chamado de abstinência. Parece que para estes nossos irmãozinhos, parar de usar drogas é o grande horizonte a ser buscado ou o projeto de vida a ser alcançado. Esta parece ser também a posição destas novas casas que insistem em se chamar de comunidade terapêutica, mas que agregram práticas usadas pelas clínicas psiquiátricas (resgate, contenção, medicação sedativa, subordinação à psicologia de linha cognitivo comportamental, etc.) e descaracterizam o modelo das CTs. Com módicos pagamentos mensais, os usuários levados a estas casas são contidos e as famílias preservadas dos sofrimentos associados ao uso abusivo de drogas. Para todos estes modelos de intervenção, a lógica é esconder a sujeira embaixo do tapete. O resto da sala estará impecavelmente limpa.

A mim me parece muito pouco aceitar tão somente a abstinência no uso de drogas sem que isso seja fruto de uma radical mudança de vida. Ou, como se diz na nossa língua, “sem conversão não há recuperação”. É sobre isso que gostaria de escrever as próximas linhas, inspiradas no texto apresentado acima. Pessoalmente sou um pobre ser humano, carregado de imperfeições, mas que acredita firmemente na possibilidade real de que o bom Deus interfira na vida e a modifique, não sem sofrimento, não sem um longo e inexorável tempo de Deus, muitas vezes incompreensível aos nossos olhos e aos nossos neurônios apressados. Gostaria que, brotando do fundo do meu coração sacerdotal, emergisse uma reflexão, em forma de homenagem e reconhecimento a tantos homens e tantas mulheres que, nestes últimos trinta anos, foram capazes de galgar as centenas de degraus que os conduziu a um novo patamar de qualidade de vida, que nós tanto admiramos e reconhecemos como os milagres de Deus nos tempos modernos. Ou como diz meu caro amigo Pe. Eduardo Delazeri, “a era dos milagres está de volta”.

O texto proposto nos apresenta cinco vias para trilhar o caminho da vida nova. Vejamos.

Primeiro, reprova tuas atitudes imorais; uma das tarefas mais complicadas dentro do processo de mudança é a revisão dos fundamentos éticos e morais que precisamos fazer se desejamos realmente viver com alegria nesta nova etapa da vida. Esta tarefa é particularmente difícil, porque exige a renúncia do que é velho e a adesão ao novo, e esta ruptura é sempre dolorosa. Nós não queremos, voluntariamente, abdicar de nossas práticas antigas, a não ser que estejamos realmente convencidos que o novo será motivo de gratificação maior que o velho. Renunciar ao homem velho sem ter experimentado a doçura do homem novo é sempre um salto no escuro, um jogar-se nos braços de Deus, confiando que Ele nos dará algo melhor do que aquilo que estamos renunciando. Por isso é tão difícil corrigir nossos defeitos de caráter. Nossos velhos prazeres, mesmo que pequenos e ridículos, eram sempre prazeres e isso nos bastava. Nos dizem que devemos deixar de lado aquilo que nos parecia agradável aos sentidos, sem termos a certeza que, o que vem pela frente, poderá nos trazer uma satisfação ainda maior. E isso se refere aos prazeres que o dinheiro dá, ao consumismo e seu prestígio social, à sexualidade e suas fantasias extraordinárias, ao poder sobre os outros e seu significado na hierarquia social, etc. Reprovar as próprias atitudes imorais exige de nós uma mudança estrutural dos fundamentos éticos e espirituais, pois significa adotar uma nova visão de mundo, de si mesmo e de Deus, com todas as implicações no relacionamento com os outros e com as coisas. Tolerância zero com os defeitos de caráter não significa viver com amargura e saudade dos tempos antigos. Significa sim, viver com alegria e esperança, apesar das imperfeições, num contínuo processo de superação, sabendo que Deus não nos pede para sermos perfeitos, mas exige que sejamos corretos.

Segundo, perdoa quem te ofendeu, dominando tua cólera e rancor; perdoar é sempre uma atitude intencional que nasce de uma decisão pensada e refletida. Há pessoas que se confundem imaginando que o perdão a ser dado ou pedido é uma questão emocional, sentimental e de esquecimento. O perdão nasce da nossa decisão em colocar as coisas no seu devido lugar, não deixando que os fantasmas do sentimento e do sentimentalismo façam de uma formiga um elefante. Mas esta atitude nunca será fruto de um controle truculento e totalitário sobre nós mesmos. Não somos uma panela de pressão que, pressionando o respiradouro, as coisas se resolvem. É preciso sempre exercitar a pacificação do leão que habita em nós, o nosso coração a rugir no meio da floresta implacável dos sentimentos. Cólera e rancor são instintos que habitam nossas entranhas. Conhecer seus mecanismos e as circunstâncias nas quais eles mais afloram, será sempre a ferramenta adequada diante da necessidade de aceitação e perdão para com todos quantos nos ferem, intencional ou acidentalmente. Perdoar-se a si mesmo é a primeira tarefa. Alguém que não está pacificado consigo mesmo terá sempre grandes dificuldades para viver em paz com os demais. Perdoar a quem nos tem ofendido (fórmula do Pai Nosso) é a segunda tarefa, e que exige um exercício interior muito grande e muito longo, pois inclui nossa capacidade de tolerância e aceitação, entendendo que a outra pessoa vive o mundo dela e não o nosso e que talvez suas dores sejam maiores que as nossas. Admitir e estar visceralmente convencido que o perdão de Deus é maior que as nossas faltas, é o terceiro estágio do perdão. Admitir o perdão de Deus é a tarefa mais difícil e intrincada, pois não há régua, fita métrica ou aparelho que possa medir a imensidão da misericórdia divina. Ela é simplesmente um mistério a ser acolhido nos recônditos da nossa fragilidade, no silêncio de nossos ruídos, nos prados verdejantes para onde ELE nos leva a repousar. Sem o perdão, nossas frágeis pernas travam e nos tornamos incapazes de dar os pequenos passos na direção de si mesmo, do outro e do GRANDE OUTRO.

Terceiro, reza com ardor e constância; rezar e rezar sempre. A vida moderna nos tirou a chance de rezar, nos roubou o tempo da meditação e nos extorquiu o silêncio interior. A vida moderna nos iludiu, dizendo que bastava fazer as coisas somente quando estivéssemos com vontade e que a vida não é um exercício, não é um conjunto de regras e limites a serem praticados mas o resultado fortuito das emoções. Roubaram-nos o mistério do sagrado, nos proibiram de ver o infinito insondável, nos tornaram materialistas empedernidos, imediatistas vorazes e superficiais, navegando nas margens da vida, sem avançar para águas mais profundas. Não sabemos mais rezar porque não sabemos mais falar com Deus. Não sabemos mais falar com Deus porque desaprendemos de falar entre nós mesmos. Gritamos uns com os outros e falamos linguagens incompreensíveis, malgrado com palavras de baixo calão e grosserias. Não sabemos mais rezar porque desaprendemos de nos comunicar conosco mesmos. Estamos sós em nossa presença. Estamos sós no meio da multidão. Estamos sós na presença de Deus. E isso nos deixa profundamente tristes e depressivos. Por isso mergulhamos no nosso passado e ficamos atolados nos nossos fracassos, sem forças e sem olhos para ver a aurora de cada novo dia. Rezar com ardor e constância é remar contra a maré da mentalidade corrente, é tirar tempo para si mesmo, é dobrar os joelhos do corpo e da alma, é desacelerar o coração, a mente e o corpo. Vivemos apressadamente velozes. Rezar individualmente... Rezar em grupo... Rezar no silêncio... Rezar no louvou e na exaltação... Rezar pedindo... Rezar agradecendo... Rezar na intercessão... É preciso rezar com ardor e constância, sem desanimar, pois a oração nos confirma e robustece na estatura de Filhos de Deus e herdeiros do Reino.

Quarto, pratica a caridade; tornar-se uma pessoa capaz de gestos de bondade é um dos frutos mais extraordinários que o processo de recuperação das dependências pode realizar numa pessoa. Nestes tempos marcados pelo individualismo e pela indiferença diante do sofrimento dos outros, exercitar a bondade e a sensibilidade pelas necessidades alheias, é uma virtude necessária para viver uma vida com alegria. Neste mundo dilacerado por discórdias e tensões, basta que sejamos pessoas de bondade para fazermos a diferença. São três os critérios do desprendimento e da liberdade interior diante dos bens materiais e das coisas para que possamos amar mais concretamente os outros: a) que as minhas despesas pessoais não sejam motivo de escândalo para ninguém; b) que eu seja capaz de realizar ao menos um gesto de bondade a cada dia; c) que as minhas coisas de uso pessoal eu as possa carregar com as próprias mãos. Alguém pode dizer que isso é muito radical e somente os muito santos seriam capazes de realizar. Mas nós viemos a esta terra exatamente para isso: para sermos o mais santo que a graça divina nos conceder. Assim foi com os grandes homens e grandes mulheres ao longo dos tempos (Francisco de Assis, Tereza de Calcutá, Ana Neri, Ghandi e mais uma multidão incontável...). A caridade nos despoja do instinto da posse, nos aproxima dos outros, sobretudo daqueles que sofrem das carências humanas, e nos abre o espírito para uma alegria que brota de dentro, lá onde estão depositados os melhores sentimentos que somos capazes de nutrir e exercitar. O mandamento do amor se traduz em gestos amorosos, solidários e construtores da paz.

Quinto, exercita a humildade; Procurando trilhar os quatro caminhos propostos acima, a humildade será o resultado natural pois, quem se corrige, perdoa, reza e pratica a caridade, certamente não será orgulhoso ou prepotente. Esta trilha do amor nos conduz certamente ao reconhecimento da nossa estatura verdadeiramente humana. Somos seres criados e gerados para o amor e o amor fraterno é a expressão mais profunda da nossa “imagem e semelhança” com Deus. A centelha divina que habita em nós não se apaga, mesmo que soterrada pelas toneladas de insensatez que carregamos sobre os ombros e que nos pesam mais na consciência que no corpo. Quando somos capazes de gestos de amor, Jesus está sempre no meio, mesmo que ELE nos pareça abandonado sob o peso da cruz. Reconheço e afirmo que o método dos doze passos dos alcoólicos anônimos que aprendemos na experiência saudável das comunidades terapêuticas é um instrumento adequado, eficaz e poderoso no despertar espiritual e no crescimento desta espiritualidade. É uma ferramenta universal, pois está acima de rótulos e de religiões. Sem forçar as coisas, podemos entender assim:


5 comentários:

  1. Nada a comentar, está perfeito, é o caminho. Amor Exigente foi e será uma benção em nossa família.
    Ilma Pereira.

    ResponderExcluir
  2. Um agradecimento ao blog, estou aprendendo A.E.

    ResponderExcluir
  3. Uma estrada de aprendizagem, estamos começando, o tempo está a nosso favor. Agradecemos ao A.E. a paz que está chegando.
    Paulo José
    Caçapava.

    ResponderExcluir
  4. Família.
    É isto aí. Vamos opinar, participar e com isto todos saimos ganhando.

    ResponderExcluir