“Queres
que eu te indique os cinco caminhos para mudar de vida? São muitos, é verdade,
variados e diferentes, mas todos levam para a VIDA NOVA. Primeiro, reprova tuas
atitudes imorais; segundo, perdoa quem te ofendeu, dominando tua cólera e
rancor; terceiro, reza com ardor e constância; quarto, pratica a caridade;
quinto, exercita a humildade. Não sejas preguiçoso, mas anda cada dia por estes
caminhos. Assim, aprenderás a curar tuas chagas e, recuperada tua saúde,
correrás com maior disposição no encalço desta VIDA NOVA que tanto desejas” (João Crisóstomo, escrito em 317 D.C. De diabolo tentatore 2,6; pg 49).
Esta
é uma parte do texto que os padres rezaram na terça feira da 21ª semana do
tempo comum, dia 26 de agosto passado no Ofício das Leituras. Quem dera, nós
mesmos, padres e consagrados, andássemos com mais empenho nesta trilha pouco
percorrida. Mas não é este o motivo que me leva a meditar e escrever.
Perambulando pelas comunidades terapêuticas nos pagos gelados do Rio Grande,
para minha tristeza e preocupação, me deparo frequentemente com instituições e
pessoas que, cada vez mais, acreditam que parando de usar drogas já está bom,
esta é a meta. Esta parece ser a posição das autoridades sanitárias do governo,
com suas internações clínicas por vinte e um dias para a desintoxicação. Esta parece
ser também a mentalidade dos redutores de danos e dos centros de atenção psico
social, com sua tolerância ao mesclar o uso de drogas com o uso simultâneo de
medicações controladas. A isso se dá o nome de risco de morte não premeditado,
pois as ciências médica advertem para as graves consequências da mistura destas
duas drogas, as ilícitas e as fármaco. Esta também tem sido a fala de
terapeutas (monitores) nas comunidades terapêuticas, limitando suas lutas e
tarefas ao resultado chamado de abstinência. Parece que para estes nossos
irmãozinhos, parar de usar drogas é o grande horizonte a ser buscado ou o
projeto de vida a ser alcançado. Esta parece ser também a posição destas novas
casas que insistem em se chamar de comunidade terapêutica, mas que agregram
práticas usadas pelas clínicas psiquiátricas (resgate, contenção, medicação
sedativa, subordinação à psicologia de linha cognitivo comportamental, etc.) e
descaracterizam o modelo das CTs. Com módicos pagamentos mensais, os usuários levados
a estas casas são contidos e as famílias preservadas dos sofrimentos associados
ao uso abusivo de drogas. Para todos estes modelos de intervenção, a lógica é
esconder a sujeira embaixo do tapete. O resto da sala estará impecavelmente
limpa.
A
mim me parece muito pouco aceitar tão somente a abstinência no uso de drogas
sem que isso seja fruto de uma radical mudança de vida. Ou, como se diz na
nossa língua, “sem conversão não há
recuperação”. É sobre isso que gostaria de escrever as próximas linhas,
inspiradas no texto apresentado acima. Pessoalmente sou um pobre ser humano,
carregado de imperfeições, mas que acredita firmemente na possibilidade real de
que o bom Deus interfira na vida e a modifique, não sem sofrimento, não sem um
longo e inexorável tempo de Deus, muitas vezes incompreensível aos
nossos olhos e aos nossos neurônios apressados. Gostaria que, brotando do fundo
do meu coração sacerdotal, emergisse uma reflexão, em forma de homenagem e
reconhecimento a tantos homens e tantas mulheres que, nestes últimos trinta
anos, foram capazes de galgar as centenas de degraus que os conduziu a um novo
patamar de qualidade de vida, que nós tanto admiramos e reconhecemos como os
milagres de Deus nos tempos modernos. Ou como diz meu caro amigo Pe. Eduardo
Delazeri, “a era dos milagres está de
volta”.
O
texto proposto nos apresenta cinco vias para trilhar o caminho da vida nova.
Vejamos.
Primeiro, reprova tuas atitudes imorais;
uma das tarefas mais
complicadas dentro do processo de mudança é a revisão dos fundamentos éticos e
morais que precisamos fazer se desejamos realmente viver com alegria nesta nova
etapa da vida. Esta tarefa é particularmente difícil, porque exige a renúncia
do que é velho e a adesão ao novo, e esta ruptura é sempre dolorosa. Nós não
queremos, voluntariamente, abdicar de nossas práticas antigas, a não ser que
estejamos realmente convencidos que o novo será motivo de gratificação maior
que o velho. Renunciar ao homem velho sem ter experimentado a doçura do homem
novo é sempre um salto no escuro, um jogar-se nos braços de Deus, confiando que
Ele nos dará algo melhor do que aquilo que estamos renunciando. Por isso é tão
difícil corrigir nossos defeitos de caráter. Nossos velhos prazeres, mesmo que
pequenos e ridículos, eram sempre prazeres e isso nos bastava. Nos dizem que
devemos deixar de lado aquilo que nos parecia agradável aos sentidos, sem termos
a certeza que, o que vem pela frente, poderá nos trazer uma satisfação ainda
maior. E isso se refere aos prazeres que o dinheiro dá, ao consumismo e seu
prestígio social, à sexualidade e suas fantasias extraordinárias, ao poder
sobre os outros e seu significado na hierarquia social, etc. Reprovar as
próprias atitudes imorais exige de nós uma mudança estrutural dos fundamentos
éticos e espirituais, pois significa adotar uma nova visão de mundo, de si
mesmo e de Deus, com todas as implicações no relacionamento com os outros e com
as coisas. Tolerância zero com os defeitos de caráter não significa viver com
amargura e saudade dos tempos antigos. Significa sim, viver com alegria e
esperança, apesar das imperfeições, num contínuo processo de superação, sabendo
que Deus não nos pede para sermos perfeitos, mas exige que sejamos corretos.
Segundo, perdoa quem te ofendeu, dominando tua cólera e
rancor; perdoar é sempre uma atitude intencional que nasce de uma
decisão pensada e refletida. Há pessoas que se confundem imaginando que o
perdão a ser dado ou pedido é uma questão emocional, sentimental e de
esquecimento. O perdão nasce da nossa decisão em colocar as coisas no seu
devido lugar, não deixando que os fantasmas do sentimento e do sentimentalismo
façam de uma formiga um elefante. Mas esta atitude nunca será fruto de um
controle truculento e totalitário sobre nós mesmos. Não somos uma panela de
pressão que, pressionando o respiradouro, as coisas se resolvem. É preciso
sempre exercitar a pacificação do leão que habita em nós, o nosso coração a
rugir no meio da floresta implacável dos sentimentos. Cólera e rancor são
instintos que habitam nossas entranhas. Conhecer seus mecanismos e as
circunstâncias nas quais eles mais afloram, será sempre a ferramenta adequada
diante da necessidade de aceitação e perdão para com todos quantos nos ferem,
intencional ou acidentalmente. Perdoar-se a si mesmo é a primeira tarefa.
Alguém que não está pacificado consigo mesmo terá sempre grandes dificuldades
para viver em paz com os demais. Perdoar a quem nos tem ofendido (fórmula do
Pai Nosso) é a segunda tarefa, e que exige um exercício interior muito grande e
muito longo, pois inclui nossa capacidade de tolerância e aceitação, entendendo
que a outra pessoa vive o mundo dela e não o nosso e que talvez suas dores
sejam maiores que as nossas. Admitir e estar visceralmente convencido que o
perdão de Deus é maior que as nossas faltas, é o terceiro estágio do perdão. Admitir
o perdão de Deus é a tarefa mais difícil e intrincada, pois não há régua, fita
métrica ou aparelho que possa medir a imensidão da misericórdia divina. Ela é
simplesmente um mistério a ser acolhido nos recônditos da nossa fragilidade, no
silêncio de nossos ruídos, nos prados verdejantes para onde ELE nos leva a
repousar. Sem o perdão, nossas frágeis pernas travam e nos tornamos incapazes
de dar os pequenos passos na direção de si mesmo, do outro e do GRANDE OUTRO.
Terceiro, reza com ardor e constância;
rezar e rezar sempre.
A vida moderna nos tirou a chance de rezar, nos roubou o tempo da meditação e
nos extorquiu o silêncio interior. A vida moderna nos iludiu, dizendo que
bastava fazer as coisas somente quando estivéssemos com vontade e que a vida
não é um exercício, não é um conjunto de regras e limites a serem praticados
mas o resultado fortuito das emoções. Roubaram-nos o mistério do sagrado, nos
proibiram de ver o infinito insondável, nos tornaram materialistas
empedernidos, imediatistas vorazes e superficiais, navegando nas margens da
vida, sem avançar para águas mais profundas. Não sabemos mais rezar porque não
sabemos mais falar com Deus. Não sabemos mais falar com Deus porque
desaprendemos de falar entre nós mesmos. Gritamos uns com os outros e falamos
linguagens incompreensíveis, malgrado com palavras de baixo calão e grosserias.
Não sabemos mais rezar porque desaprendemos de nos comunicar conosco mesmos.
Estamos sós em nossa presença. Estamos sós no meio da multidão. Estamos sós na
presença de Deus. E isso nos deixa profundamente tristes e depressivos. Por
isso mergulhamos no nosso passado e ficamos atolados nos nossos fracassos, sem
forças e sem olhos para ver a aurora de cada novo dia. Rezar com ardor e
constância é remar contra a maré da mentalidade corrente, é tirar tempo para si
mesmo, é dobrar os joelhos do corpo e da alma, é desacelerar o coração, a mente
e o corpo. Vivemos apressadamente velozes. Rezar individualmente... Rezar em
grupo... Rezar no silêncio... Rezar no louvou e na exaltação... Rezar
pedindo... Rezar agradecendo... Rezar na intercessão... É preciso rezar com
ardor e constância, sem desanimar, pois a oração nos confirma e robustece na
estatura de Filhos de Deus e herdeiros do Reino.
Quarto, pratica a caridade; tornar-se uma pessoa capaz de gestos
de bondade é um dos frutos mais extraordinários que o processo de recuperação das
dependências pode realizar numa pessoa. Nestes tempos marcados pelo
individualismo e pela indiferença diante do sofrimento dos outros, exercitar a
bondade e a sensibilidade pelas necessidades alheias, é uma virtude necessária para
viver uma vida com alegria. Neste mundo dilacerado por discórdias e tensões,
basta que sejamos pessoas de bondade para fazermos a diferença. São três os
critérios do desprendimento e da liberdade interior diante dos bens materiais e
das coisas para que possamos amar mais concretamente os outros: a) que as
minhas despesas pessoais não sejam motivo de escândalo para ninguém; b) que eu
seja capaz de realizar ao menos um gesto de bondade a cada dia; c) que as
minhas coisas de uso pessoal eu as possa carregar com as próprias mãos. Alguém
pode dizer que isso é muito radical e somente os muito santos seriam capazes de
realizar. Mas nós viemos a esta terra exatamente para isso: para sermos o mais
santo que a graça divina nos conceder. Assim foi com os grandes homens e
grandes mulheres ao longo dos tempos (Francisco de Assis, Tereza de Calcutá, Ana
Neri, Ghandi e mais uma multidão incontável...). A caridade nos despoja do
instinto da posse, nos aproxima dos outros, sobretudo daqueles que sofrem das
carências humanas, e nos abre o espírito para uma alegria que brota de dentro,
lá onde estão depositados os melhores sentimentos que somos capazes de nutrir e
exercitar. O mandamento do amor se traduz em gestos amorosos, solidários e
construtores da paz.
Quinto, exercita a humildade;
Procurando trilhar os
quatro caminhos propostos acima, a humildade será o resultado natural pois,
quem se corrige, perdoa, reza e pratica a caridade, certamente não será
orgulhoso ou prepotente. Esta trilha do amor nos conduz certamente ao
reconhecimento da nossa estatura verdadeiramente humana. Somos seres criados e
gerados para o amor e o amor fraterno é a expressão mais profunda da nossa
“imagem e semelhança” com Deus. A centelha divina que habita em nós não se
apaga, mesmo que soterrada pelas toneladas de insensatez que carregamos sobre
os ombros e que nos pesam mais na consciência que no corpo. Quando somos
capazes de gestos de amor, Jesus está sempre no meio, mesmo que ELE nos pareça
abandonado sob o peso da cruz. Reconheço e afirmo que o método dos doze passos
dos alcoólicos anônimos que aprendemos na experiência saudável das comunidades
terapêuticas é um instrumento adequado, eficaz e poderoso no despertar
espiritual e no crescimento desta espiritualidade. É uma ferramenta universal,
pois está acima de rótulos e de religiões. Sem forçar as coisas, podemos
entender assim:
Nada a comentar, está perfeito, é o caminho. Amor Exigente foi e será uma benção em nossa família.
ResponderExcluirIlma Pereira.
Um agradecimento ao blog, estou aprendendo A.E.
ResponderExcluirUma estrada de aprendizagem, estamos começando, o tempo está a nosso favor. Agradecemos ao A.E. a paz que está chegando.
ResponderExcluirPaulo José
Caçapava.
Bom este blog. GOSTEI.
ResponderExcluirFamília.
ResponderExcluirÉ isto aí. Vamos opinar, participar e com isto todos saimos ganhando.