Interior da Igreja dos Anjos - Belém
Neste final de ano tenho me lembrado
muito dos nossos irmãozinhos que passarão o Natal dentro das comunidades
terapêuticas, a grande parte deles longe da sua mãe; outros já terão a mãe na eternidade.
A figura materna, nestas ocasiões, aflora de uma maneira muito forte,
provocando saudades, remorsos, abatimento, desejo de um colinho de mãe, desejo
de abraçar, beijar e pedir perdão pelas estripulias feitas, pelos sofrimentos
causados... Nas conversas pessoais que tenho mantido com eles, aparece sempre
uma realidade muito pessoal e de caráter afetivo: a quase totalidade dos
residentes em comunidades terapêuticas estão lá por causa de uma mãe que não
desistiu, por causa das lágrimas caídas dos olhos de uma mãe, por causa de
joelhos maternos calejados de tanto pedir uma intervenção divina diante dos
imensos sofrimentos e das dores vividas em tantas madrugadas, ao constatar mais
uma vez que a cama do filho estava vazia.
Só por estas razões, considero razoável
olhar para a mãe de Jesus e procurar aprender dela e com ela as atitudes mais
adequadas para o enfrentamento das dificuldades da vida, sobretudo se desejamos
ardentemente viver no horizonte da vida nova que o menino Jesus nos ofereceu,
apresentou e viveu intensamente. Tenho um grande respeito pelos nossos irmãos
evangélicos que não olham com tanta intensidade para a figura maternal de
Maria, mas aqui não estamos tratando de títulos de santidade ou de imagens de
santos. Estamos apenas aprendendo no grande livro da vida, a Bíblia Sagrada,
aquilo que a figura materna vivida pela jovem Maria tem e pode nos ensinar.
Curiosamente, a mãe de Jesus é citada
muitas vezes no Antigo Testamento, mas é no Novo Testamento que ela aparece
como personagem de narrações e fatos marcantes que estão no centro da revelação
bíblica. E o mais curioso é que ela aparece nove (9) vezes assim distribuídas:
três (3) vezes até o nascimento de Jesus (anunciação, visitação e nascimento);
três (3) vezes no período chamado de vida oculta de Jesus (apresentação no
templo, fuga para o Egito e peregrinação à Jerusalém); e três (3) vezes no
tempo seguinte (nas bodas de Caná, aos pés da cruz e no Cenáculo). Noutras
passagens ela é citada, mas não é personagem.
Gostaria de apresentar agora, sem nenhuma
pretensão, uma “leitura” da figura materna de Maria, na perspectiva do programa
de recuperação em dependência química. Acredito ser uma analogia que pode nos
ajudar, a todos nós, vivermos com mais intensidade este período natalino e
aumentar nosso afeto pela pessoa de Jesus e pela figura materna de Maria.
Senão, vejamos:
Presença
de Maria até a chegada de Jesus
A
primeira vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está no Evangelho
de São Lucas 1, 26-38 (anunciação). A grande novidade desta narração é que
Maria simplesmente diz SIM ao convite feito por Deus Pai. Mesmo sem entender as
razões e mesmo com os temores de ter que enfrentar o desconhecido, ela aceita a
missão, contando com suas limitações e fragilidades e contando com a ajuda de
Deus que é fiel e não falha. A oferta de Deus nem sempre vem com manual e não
dispões de aplicativos a serem baixados. É confiar ou não confiar...
A
segunda vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está em Lc. 1,
39-56 (a visitação). Mais uma vez, a novidade da narração está no fato que
Maria, tendo aceito o convite, parte logo em atitude de serviço e vai visitar
sua prima Izabel. A novidade de Deus está no serviço aos irmãos, como gesto de
gratidão e gratuidade. Não existe proximidade com os planos de Deus sem uma
atitude básica de desprendimento e abertura para o outro. Morrer para si é viver
para o outro. A alegria está na atitude de serviço.
A
terceira vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está no Evangelho
de São Lucas 2, 1-20 (o nascimento). É na gruta de Belém que a maternidade de
Maria nos indica o sentido mais profundo na defesa da vida. Não importam as
circunstâncias ou as condições que envolvem a vida. O que realmente importa é
que a vida é um dom absoluto, que nasce do coração de Deus e que, só por isso,
é um direito inviolável. A vida nova oferecida pelo Divino Pai Eterno está
envolvida por uma membrana de fragilidade que a inteligência não alcança;
apenas a sabedoria que nasce de um coração amoroso. Simplicidade e
despojamento.
Estas
primeiras três aparições de Maria nas narrações bíblicas, podem ser comparadas
com os três primeiros passos de Alcoólicos Anônimos, para aqueles que os
seguem, e o sentido é simples e evidente: quem quiser aderir aos planos de Deus
terá que renunciar-se a si mesmo, tomar sua cruz, e colocar-se a caminho, na
busca humilde e desprendida de quem tem somente a Deus como seu suporte e
absoluto. Toda forma de orgulho, prepotência e arrogância será sempre
impedimento no caminho da descoberta do Deus verdadeiro, doador da vida e
garantia da alegria interior tão desejada. Aceitar, servir, gestar...
Presença
de Maria durante a vida oculta de Jesus
A
quarta vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está no Evangelho
de São Lucas 2, 22-39 (a apresentação). Maria nos ensina que é preciso estar
perto do Deus altíssimo, sem muitas palavras, só na contemplação. O silêncio é
bom companheiro quando se está na presença do mistério, do invisível, na
presença das profundezas e do insondável desígnio do Deus Criador. Ir ao Templo
faz parte do itinerário da fé e da descoberta do sentido. Alegres vamos à casa
do Pai...
A
quinta vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está no Evangelho
de São Mateus 2, 13-23 (a fuga para o Egito). Levando o menino em seu colo,
Maria se coloca fisicamente logo atrás Dele como se estivesse nos dizendo que é
preciso estar no Seu encalço, no Seu seguimento, no silêncio que indaga pelo
coração e não pelas palavras. Maria fica em silêncio. Os caminhos que levam à
vida podem ser longos e incompreensíveis, mas é nas gotas de suor e nas gotas
de lágrimas que mataremos nossa sede de Deus.
A
sexta vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está no Evangelho de
São Lucas 2, 41-52 (a peregrinação à Jerusalém aos 12 anos). Nesta narração,
parece que Maria nos ensina a estar atentos na descoberta da vontade de Deus.
Os meandros da vida são perturbadores. Mesmo estando perto de Deus, mesmo
estando incessantemente a caminho e fazendo silêncio, somos capazes de
entender, com a mente e o coração, os insondáveis desígnios do Altíssimo senhor
dos senhores. É preciso perguntar pelo sentido e não pelo porque...
Para os que seguem os 12 passos de
Alcoólicos Anônimos, a etapa de entrar pelos porões da existência e lá
encontrar o que precisa ser mudado, exige exatamente estas três atitudes de
Maria: estar perto de Deus, colocar-se no caminho sem vacilar e estar atento
aos Seus sinais. Uma vida periférica, sem profundidade e barulhenta nos leva para
outros rumos e sabemos quais suas conseqüências, pois foi exatamente nos ruídos
da vida, nos atalhos da existência e na distância de Deus é que acabamos nos
abismos da insensatez.
Presença
de Maria ao longo da vida pública de Jesus
A
sétima vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está no Evangelho
de São João 2, 1-12 (as bodas de Caná). Participando da vida dos irmãos e das irmãs,
com alegria, acabamos por presenciar o milagre. A vida em Deus é uma permanente
sucessão de milagres que vão dando sentido à esta mesma vida. A vida em Deus é
uma caixinha de surpresas. No fragor das lutas diárias, Deus nos surpreende com
seus pequenos gestos e delicadezas. Pedi e recebereis, buscai e achareis, batei
e a porta se abrirá (Mt. 7, 7-8)
A
oitava vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está no Evangelho
de São João 19, 25-27 (aos pés da cruz). Com a imponência desta cena e sua
força espetacular, Maria apenas nos quer dizer que é preciso aceitar o
sofrimento e admitir o Jesus abandonado como bem maior e como centro irradiador
do amor misericordioso de Deus. Não existe maior amor do que dar a vida pelos
irmãos. Ninguém recebe o dom da vida nova para si próprio. Ela é dom a ser
repartido e gasto na ternura e na bondade. Só quem aprendeu a partilhar entendeu
o que é ser amoroso e que Deus é amor; e que o maior mandamento é o mandamento
do amor.
A
nona e última vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está nos
Atos dos Apóstolos 2, 1-12 (o Pentecostes). A derradeira lição de Maria para a
nossa vida é uma lição simples: a realização do ser humano consiste na busca da
unidade; unidade consigo mesmo e com Deus, unidade entre os irmãos, unidade na
convivência social e na igreja... Não fomos criados para a divisão e para uma
vida fragmentária. O que vem de Deus gera unidade porque Deus é comunhão na
Trindade Santa. Tudo caminha e contribui para a comunhão dos santos, para a
vida em Deus. E Maria nos deixou este itinerário de atitudes, sem o qual não
encontraremos o caminho que nos salva, a verdade que nos liberta, a VIDA NOVA.
A reparação pelos danos causados faz parte disso.
Estas foram as intuições que tive ao
procurar descobrir na figura materna de Maria, alguns indicativos para o nosso
despertar espiritual e crescimento na fé. Minha esperança é que possa servir
como um itinerário permanente na necessária descoberta do plano do criador para
cada um e cada uma de nós. Meu desejo sincero é que sejamos capazes de viver na
caridade fraterna, alcançando a mão para o irmão, para a irmã que sofre. Assim
nossa vida estará envolvida por uma membrana que nos protege dos males com os
quais nos deparamos no duro e difícil percurso da existência nesta terra.
Santa
Maria, 20-12-2015
Pe.
Vitor Hugo Gerhard

Muito bom REFLEXÃO.
ResponderExcluirAgradeço a homenagem. Somos todas mães de FÉ.
ResponderExcluirFeliz Natal Família Amor Exigente.
Emília.