quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O NATAL, A FIGURA MATERNA E A RECUPERAÇÃO EM DEPENDÊNCIA QUÍMICA.Pe. Vitor Hugo Gerhard




                                               Interior da Igreja dos Anjos - Belém



       Neste final de ano tenho me lembrado muito dos nossos irmãozinhos que passarão o Natal dentro das comunidades terapêuticas, a grande parte deles longe da sua mãe; outros já terão a mãe na eternidade. A figura materna, nestas ocasiões, aflora de uma maneira muito forte, provocando saudades, remorsos, abatimento, desejo de um colinho de mãe, desejo de abraçar, beijar e pedir perdão pelas estripulias feitas, pelos sofrimentos causados... Nas conversas pessoais que tenho mantido com eles, aparece sempre uma realidade muito pessoal e de caráter afetivo: a quase totalidade dos residentes em comunidades terapêuticas estão lá por causa de uma mãe que não desistiu, por causa das lágrimas caídas dos olhos de uma mãe, por causa de joelhos maternos calejados de tanto pedir uma intervenção divina diante dos imensos sofrimentos e das dores vividas em tantas madrugadas, ao constatar mais uma vez que a cama do filho estava vazia.

       Só por estas razões, considero razoável olhar para a mãe de Jesus e procurar aprender dela e com ela as atitudes mais adequadas para o enfrentamento das dificuldades da vida, sobretudo se desejamos ardentemente viver no horizonte da vida nova que o menino Jesus nos ofereceu, apresentou e viveu intensamente. Tenho um grande respeito pelos nossos irmãos evangélicos que não olham com tanta intensidade para a figura maternal de Maria, mas aqui não estamos tratando de títulos de santidade ou de imagens de santos. Estamos apenas aprendendo no grande livro da vida, a Bíblia Sagrada, aquilo que a figura materna vivida pela jovem Maria tem e pode nos ensinar.

       Curiosamente, a mãe de Jesus é citada muitas vezes no Antigo Testamento, mas é no Novo Testamento que ela aparece como personagem de narrações e fatos marcantes que estão no centro da revelação bíblica. E o mais curioso é que ela aparece nove (9) vezes assim distribuídas: três (3) vezes até o nascimento de Jesus (anunciação, visitação e nascimento); três (3) vezes no período chamado de vida oculta de Jesus (apresentação no templo, fuga para o Egito e peregrinação à Jerusalém); e três (3) vezes no tempo seguinte (nas bodas de Caná, aos pés da cruz e no Cenáculo). Noutras passagens ela é citada, mas não é personagem.

       Gostaria de apresentar agora, sem nenhuma pretensão, uma “leitura” da figura materna de Maria, na perspectiva do programa de recuperação em dependência química. Acredito ser uma analogia que pode nos ajudar, a todos nós, vivermos com mais intensidade este período natalino e aumentar nosso afeto pela pessoa de Jesus e pela figura materna de Maria. Senão, vejamos:

Presença de Maria até a chegada de Jesus

A primeira vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está no Evangelho de São Lucas 1, 26-38 (anunciação). A grande novidade desta narração é que Maria simplesmente diz SIM ao convite feito por Deus Pai. Mesmo sem entender as razões e mesmo com os temores de ter que enfrentar o desconhecido, ela aceita a missão, contando com suas limitações e fragilidades e contando com a ajuda de Deus que é fiel e não falha. A oferta de Deus nem sempre vem com manual e não dispões de aplicativos a serem baixados. É confiar ou não confiar...

A segunda vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está em Lc. 1, 39-56 (a visitação). Mais uma vez, a novidade da narração está no fato que Maria, tendo aceito o convite, parte logo em atitude de serviço e vai visitar sua prima Izabel. A novidade de Deus está no serviço aos irmãos, como gesto de gratidão e gratuidade. Não existe proximidade com os planos de Deus sem uma atitude básica de desprendimento e abertura para o outro. Morrer para si é viver para o outro. A alegria está na atitude de serviço.

A terceira vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está no Evangelho de São Lucas 2, 1-20 (o nascimento). É na gruta de Belém que a maternidade de Maria nos indica o sentido mais profundo na defesa da vida. Não importam as circunstâncias ou as condições que envolvem a vida. O que realmente importa é que a vida é um dom absoluto, que nasce do coração de Deus e que, só por isso, é um direito inviolável. A vida nova oferecida pelo Divino Pai Eterno está envolvida por uma membrana de fragilidade que a inteligência não alcança; apenas a sabedoria que nasce de um coração amoroso. Simplicidade e despojamento.

Estas primeiras três aparições de Maria nas narrações bíblicas, podem ser comparadas com os três primeiros passos de Alcoólicos Anônimos, para aqueles que os seguem, e o sentido é simples e evidente: quem quiser aderir aos planos de Deus terá que renunciar-se a si mesmo, tomar sua cruz, e colocar-se a caminho, na busca humilde e desprendida de quem tem somente a Deus como seu suporte e absoluto. Toda forma de orgulho, prepotência e arrogância será sempre impedimento no caminho da descoberta do Deus verdadeiro, doador da vida e garantia da alegria interior tão desejada. Aceitar, servir, gestar...

Presença de Maria durante a vida oculta de Jesus

A quarta vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está no Evangelho de São Lucas 2, 22-39 (a apresentação). Maria nos ensina que é preciso estar perto do Deus altíssimo, sem muitas palavras, só na contemplação. O silêncio é bom companheiro quando se está na presença do mistério, do invisível, na presença das profundezas e do insondável desígnio do Deus Criador. Ir ao Templo faz parte do itinerário da fé e da descoberta do sentido. Alegres vamos à casa do Pai...

A quinta vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está no Evangelho de São Mateus 2, 13-23 (a fuga para o Egito). Levando o menino em seu colo, Maria se coloca fisicamente logo atrás Dele como se estivesse nos dizendo que é preciso estar no Seu encalço, no Seu seguimento, no silêncio que indaga pelo coração e não pelas palavras. Maria fica em silêncio. Os caminhos que levam à vida podem ser longos e incompreensíveis, mas é nas gotas de suor e nas gotas de lágrimas que mataremos nossa sede de Deus.

A sexta vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está no Evangelho de São Lucas 2, 41-52 (a peregrinação à Jerusalém aos 12 anos). Nesta narração, parece que Maria nos ensina a estar atentos na descoberta da vontade de Deus. Os meandros da vida são perturbadores. Mesmo estando perto de Deus, mesmo estando incessantemente a caminho e fazendo silêncio, somos capazes de entender, com a mente e o coração, os insondáveis desígnios do Altíssimo senhor dos senhores. É preciso perguntar pelo sentido e não pelo porque...
       Para os que seguem os 12 passos de Alcoólicos Anônimos, a etapa de entrar pelos porões da existência e lá encontrar o que precisa ser mudado, exige exatamente estas três atitudes de Maria: estar perto de Deus, colocar-se no caminho sem vacilar e estar atento aos Seus sinais. Uma vida periférica, sem profundidade e barulhenta nos leva para outros rumos e sabemos quais suas conseqüências, pois foi exatamente nos ruídos da vida, nos atalhos da existência e na distância de Deus é que acabamos nos abismos da insensatez.

Presença de Maria ao longo da vida pública de Jesus

A sétima vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está no Evangelho de São João 2, 1-12 (as bodas de Caná). Participando da vida dos irmãos e das irmãs, com alegria, acabamos por presenciar o milagre. A vida em Deus é uma permanente sucessão de milagres que vão dando sentido à esta mesma vida. A vida em Deus é uma caixinha de surpresas. No fragor das lutas diárias, Deus nos surpreende com seus pequenos gestos e delicadezas. Pedi e recebereis, buscai e achareis, batei e a porta se abrirá (Mt. 7, 7-8)

A oitava vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está no Evangelho de São João 19, 25-27 (aos pés da cruz). Com a imponência desta cena e sua força espetacular, Maria apenas nos quer dizer que é preciso aceitar o sofrimento e admitir o Jesus abandonado como bem maior e como centro irradiador do amor misericordioso de Deus. Não existe maior amor do que dar a vida pelos irmãos. Ninguém recebe o dom da vida nova para si próprio. Ela é dom a ser repartido e gasto na ternura e na bondade. Só quem aprendeu a partilhar entendeu o que é ser amoroso e que Deus é amor; e que o maior mandamento é o mandamento do amor.

A nona e última vez que a figura de Maria aparece no Novo Testamento está nos Atos dos Apóstolos 2, 1-12 (o Pentecostes). A derradeira lição de Maria para a nossa vida é uma lição simples: a realização do ser humano consiste na busca da unidade; unidade consigo mesmo e com Deus, unidade entre os irmãos, unidade na convivência social e na igreja... Não fomos criados para a divisão e para uma vida fragmentária. O que vem de Deus gera unidade porque Deus é comunhão na Trindade Santa. Tudo caminha e contribui para a comunhão dos santos, para a vida em Deus. E Maria nos deixou este itinerário de atitudes, sem o qual não encontraremos o caminho que nos salva, a verdade que nos liberta, a VIDA NOVA. A reparação pelos danos causados faz parte disso.

       Estas foram as intuições que tive ao procurar descobrir na figura materna de Maria, alguns indicativos para o nosso despertar espiritual e crescimento na fé. Minha esperança é que possa servir como um itinerário permanente na necessária descoberta do plano do criador para cada um e cada uma de nós. Meu desejo sincero é que sejamos capazes de viver na caridade fraterna, alcançando a mão para o irmão, para a irmã que sofre. Assim nossa vida estará envolvida por uma membrana que nos protege dos males com os quais nos deparamos no duro e difícil percurso da existência nesta terra.


Santa Maria, 20-12-2015

Pe. Vitor Hugo Gerhard

2 comentários:

  1. Agradeço a homenagem. Somos todas mães de FÉ.
    Feliz Natal Família Amor Exigente.
    Emília.

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